terça-feira, 27 de abril de 2010

Infinitamente ausente

Menino e homem, sempre sonhei que eras eterna,
e cada noite, e cada dia, adormeci e acordei
com a inconsciente ventura de existires.
De repente, aquele incerto sorriso de alegria
com que amavas a vida murchou nos teus lábios tímidos,
e agora este vazio, este gelado de pedra no meu coração.
Não mais a mansidão do teu gesto,
não mais a humildade dos teus passos,
nem o pudor da tua voz, que nunca se elevou
num grito - de dor, de contentamento ou de cólera,
nem o morrediço olhar de resignação,
nem os vestígios últimos da minha infância fechados na tua mão.
Estou triste sem fim, mas tenho a lucidez de uma noite de insônia.
(O canto dos galos - aqui, ali, além, acolá -
torna mais longínquas todas as distâncias
e aumenta o longo penar da lívida madrugada.)
Nenhuma ilusão mais:
estás infinitamente ausente,
e sei onde estás, e como estás,
e sei que tudo continua igual na mesma terra, sob o mesmo céu.
(Quisesse Deus, cristalizado o sal das lágrimas,
engrandecer-me o coração
para eu cumprir finalmente a sua dor
sem ter e sem rogar consolação...)
Graça imóvel de tuas mãos serenas.
Quietude das pálpebras sobre os lhos apagados.
Serenidade do suspiro da vida no seu fim.
Tinha um pálido calor sem esperança
teu braço triste, quando o toquei cegamente.
É ainda nos restos das lembranças do teu fantasma
pensativo que é preciso, de bruços, pesadamente,
recomeçar a viver.

Abgar Renault

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